Relacionar-se é sempre uma arte e
das mais difíceis de se realizar, acredito que todos concordam com isso. Relacionamento
amoroso então... invariavelmente nos atendimentos clínicos recebo casos e mais
casos em que a dificuldade de entender o mundo do outro, de se fazer entender,
de enxergar o mundo a partir da referência da outra pessoa, conseguir expressar
seus sentimentos e vontades na relação, enfim, em que o relacionar-se é uma das
maiores queixas, se não a principal do processo psicoterapêutico.
Mas o interessante é que muitas
vezes, muitas mesmo, a queixa principal é da relação com o(a) parceiro(a)
inserido em um meio social, principalmente a família do namorado (a), noivo(a),
marido ou esposa. São comuns frases como “quando estamos só nos dois fica tudo
bem”, “não temos problema se convivemos só nos dois”, “queria poder viver
viajando só com ele/ela porque fica tudo tão calmo”... sim, é verdade... se a
relação só com o parceiro (a) já tem as suas dificuldades, então dá pra imaginar o que
acontece quando se insere a relação familiar de ambos?!
A relação de casal implica em ceder
de cada lado, respeitar a opinião do outro, conseguir transmitir de forma clara
sua opinião para outra pessoa de forma que ela consiga entender... não, isso não
é fácil, agora imagina ampliar essa situação para a família dos 2 lados! Pais,
mães, irmãos/ irmãs, cunhados (as), avós... E conviver com o parceiro torna-se
um conviver com a família dele ou dela e por conviver entenda: lidar com uma
forma de viver diferente daquela que em alguns casos (ou muitos) considera
correta, perceber uma maneira diferente de ver o mundo e as relações, lidar com
prioridades talvez opostas às suas e tudo isso influencia diretamente a sua
vida, a sua casa, a sua relação amorosa, a criação dos seus filhos...
E aí sempre vem a pergunta? O que
eu faço? Falo ou não? Como eu falo? O que eu falo? Critico ou fico quieta (o)? Me
distancio? Será que é o melhor? Ou me sufoco com tudo em silêncio? As vezes,
por medo de criar problema na relação com o parceiro, a pessoa decide não falar
nada, mas isso resolve a situação? Por outro lado, falar a partir do seu ponto
de vista, apontando o erro do outro lado adianta também? O que fazer então?
Vejo tantas histórias de brigas com
a família do parceiro(a); brigas sérias que fazem com que o namoro ou casamento
acabe ou com que a relação do filho com os pais, com os irmão fique completamente
devastada... o que sei; o que percebo é que nem um nem outro desses finais é
positivo, nem um nem outro é produtivo ou auxilia na individuação das pessoas
envolvidas.
Relacionar-se implica em tentar
estar no lugar do outro, entender a importância de tal situação para a(s) outra(s)
pessoa (s) envolvida(s), entender que a dinâmica familiar esteve presente na
vida do seu/sua parceiro(a) desde o nascimento dele e que o mesmo acontece com
vc, o que certamente também é difícil pro seu/sua parceiro(a). Entender que ele
ou ela é filho(a), irmão(a), neto(a), sobrinho(a), primo(a) e que essas
relações são significativas pra ele/ela como são pra vc. Que mesmo seu
parceiro(a) entendendo e percebendo que não quer repetir alguns padrões da
família de origem, o que acontece com a família dele(a) vai sempre interferir
na sua vida e na vida do casal. Não tem como isso não acontecer.
Buscar entender verdadeiramente a
forma como a outra pessoa enxerga a vida, as relações, os problemas, tem ligação
direta com entender a relação familiar da pessoa, a forma como se lida com
problemas na família dele(a), a maneira daquela família enxergar o mundo e
lidar com ele. Acredito que somente conseguindo abrir-se verdadeiramente para
entender o mundo do outro (e isso inclui sua família) é possível conseguir
estabelecer um diálogo sobre a nova forma de ser, de ver o mundo e de se
relacionar que o casal irá construir junto, baseado nas relações de origem, mudando
preceitos anteriores e podendo construir uma nova forma que não seja igual a
nenhuma das duas famílias de origem, mas que consiga respeitar a base de onde
cada um surgiu. Somente através dessa arte de se relacionar com o outro
verdadeiramente, é que se torna possível uma relação mais sólida e bem
fundamentada. Claro, isso não é fácil, mas é uma conquista diária e inestimável.
Lilian Garcia de Paula
Psicologa mestre em psicologia junguiana