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“O sonho retrata a situação
interna do sonhador, cuja verdade e realidade o consciente reluta em aceitar ou
não aceita de todo” (Jung, p. 14, 2008).
O que significa esse sonho que tive? Sonhei com cobra, será
traição? Porque esse sonho vive se repetindo? Porque tenho pesadelo? Todas essas
perguntas são muito comuns quando alguém sabe, seja algum paciente ou em uma
relação social, que trabalho com sonhos. Esse tema é extremamente fascinante e desperta
a curiosidade de todos. Que mundo é esse que visito todas as noites, nem sempre
lembro e que me afeta verdadeiramente de tantas formas?
Vou falar um pouco sobre esse tema buscando satisfazer
algumas curiosidades. O sonho é uma vivência
que não difere em nada de qualquer experiência consciente no que diz respeito
ao envolvimento emocional. A vivência do sonho transforma o sonhador. Várias vezes,
acordamos com uma determinada sensação sem saber o motivo ou tomados por um
sonho que nos acompanha o dia todo independente da nossa vontade.
Para Jung “os sonhos são expressão direta da atividade psíquica
inconsciente” (Jung, C.G. p. 12, 2008. Eles têm a função de levar a pessoa a
entender de forma mais abrangente determinadas situações e atitudes, apontar o
caminho a ser seguido para viver de forma mais plena o que se é, podendo levar
a mudanças significativas na vida do sonhador. Isso significa que “portamos
dentro de nós mesmos as possibilidades de nos curar, de nos desenvolver...”
(Kast, p. 36, 2010). Contar o sonho para alguém nos traz a possibilidade de
estabelecermos ligações entre o sonho e nossas vivências, o que leva a
ampliação de nossa consciência e a possibilidade de enxergar o mundo por outros
ângulos.
Normalmente, as pessoas perguntam o que significa isso ou
aquilo com que sonharam. Bom, não existe uma única forma de entender um símbolo
que aparece em um sonho. Cada contexto é um, e é importante entender o sonho
sempre em um contexto mais amplo, relacionando à vida do sonhador, a outros
sonhos anteriores e posteriores, aos sentimentos despertos no decorrer da noite
ou ao acordar. Assim, nem sempre a cobra vai significar necessariamente traição
quando aparece no sonho. Porém, vou tentar trazer à luz algumas possíveis relações.
Quando sonhamos com pessoas desconhecidas, provavelmente
elas representam aspectos de nossa própria personalidade que não estão
integrados em nós e precisam ser conhecidos. Por exemplo: quando um homem sonha
com uma mulher desconhecida, possivelmente ela representa aspectos de seu
princípio feminino; aquela pessoa no sonho que é desprezada pelo sonhador ou
que causa medo possivelmente representa aspectos de sua sombra, aspectos que o
sonhador não consegue integrar em sua consciência como parte de si mesmo.
As vezes o sonho aparece de forma repetida, em especial
quando se relaciona com um evento traumático, até o dia em que não terá mais
necessidade de ser sonhado. Alguns pesadelos têm esse viés, mas nem todos,
muitos surgem para que o conteúdo do sonho se faça ouvir, o que pode não estar
acontecendo. Sonhos com desastres como terremotos, tsunamis, acidentes, podem
apontar para uma mudança importante em potencial na estrutura do sonhador. No processo
de análise isso se torna mais claro quando relacionado com as experiências vividas
e com a conscientização de questões significativas.
Toda interpretação busca entender o máximo possível do
sonho, sabendo claramente que ele nunca se esgota e que a cada momento que nós
voltamos a um sonho, ele pode fornecer novas possibilidades de entendimento. O
processo psicoterapêutico objetiva, através da análise dos sonhos, entender
melhor aspectos não conscientes da personalidade do paciente e, com isso
possibilitar a ampliação de consciência para uma melhor interação com o outro e
consigo mesmo. É um trabalho extremamente rico e engrandecedor que causa mudanças
na vida do sonhador de forma permanente e contínua. Aquele que se dispõe a um
processo que visa o autoconhecimento só tem a engrandecer sua própria vida e
sua relação com o mundo.
Bibliografia
HALL, J.A. Jung e a interpretação dos sonhos: manual de
teoria e pratica. São Paulo: Cultrix, 1983.
JUNG, C.G. Ab-reação, análise dos sonhos, transferência.
Petropolis: Vozes, 2008.
SILVEIRA, N. Jung: vida e obra. São Paulo: Paz e Terra,
2001.
KAST, V. Sonhos: a linguagem enigmática do insconsciente.
Petrópolis: Vozes, 2010.